Para que possamos mudar e reverter a realidade vivida no tratamento da IC no Brasil, temos que avaliar o mundo real e saber que o tratamento atual, ainda que mesmo em países desenvolvidos, está muito abaixo do ideal.
Muitos pacientes estão sem tratamento ou tratados de forma não otimizada, incluindo a falta de prescrição de medicamentos e dispositivos que salvam vidas e, que quando prescritos, eles muitas vezes são dados em doses abaixo às usadas nos estudos clínicos.
Existe na abordagem da IC o que chamamos hoje na medicina de INÉRCIA MÉDICA, é quando existe um acomodamento por parte do sistema de saúde e dos médicos.
Esta inércia é caracterizada pela ausência da mudança de atitude após evidência científica concreta, para que haja otimização no tratamento da doença e ou a busca de sinais e sintomas que norteiem uma melhor abordagem, a fim de aprimorar não somente os sintomas, como também a diminuição da internação e reinternação que comprovadamente aumentam a mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca. (Maggioni AP, Anker SD, Dahlström U, Filippatos G, Ponikowski P, Zannad F, Amir O, Chioncel O, Leiro MC, Drozdz J, Erglis A, Fazlibegovic E, Fonseca C, Fruhwald F, Gatzov P, Goncalvesova E, Hassanein M, Hradec J, Kavoliuniene A, Lainscak M, Logeart D, Merkely B, Metra M, Persson H, Seferovic P, Temizhan A, Tousoulis D, Tavazzi L; Heart Failure Association of the ESC. Are hospitalized or ambulatory patients with heart failure treated in accordance with European Society of Cardiology guidelines? Evidence from 12,440 patients of the ESC Heart Failure Long-Term Registry. Eur J Heart Fail 2013;15:1173–1184. ); (Schou M1, Gislason G, Videbaek L, Kober L, Tuxen C, Torp-Pedersen C, Hildebrandt PR, Gustafsson F; NorthStar Investigators. Effect of extended follow-up in a specialized heart failure clinic on adherence to guideline recommended therapy: NorthStar Adherence Study. Eur J Heart Fail 2014;16:1249–1255).
A inércia está também relacionada muitas vezes ao “GAP” entre a publicação científica da evidência, a atualização científica do médico após a publicação e finalmente a atitude deste profissional em aplicar o dado científico na sua prática diária.
Outro importante ponto a ser considerado, devido a sua alta incidência, prevalência e por ser uma doença crônica, muitas vezes não é tratada por um especialista e sim por um médico generalista menos ciente dos desafios necessário para a abordagem do tratamento otimizado da insuficiência cardíaca necessário na atualidade.
A dificuldade de compreensão médica e do próprio paciente pelos diferentes níveis de sintomas da doença é outro fator limitante.
A literatura sempre deu ênfase e abordou os sintomas de IC na maior parte das vezes em 4 categorias (I, II, III e IV), as classes funcionas pela New York Heart Association (NYHA), uma classificação antiga feita em 1964, com um série de limitações na individualização do paciente, (Criteria Committee, New York Heart Association , Inc. Diseases of the Heart and Blood Vessels. Nomenclature and Criteria for diagnosis, 6th edition Boston, Little, Brown and Co. 1964, p 114).
Pacientes em classe funcional I e II ou II e III, muitas vezes não conseguem diferenciação e pela baixa sensibilidade de individualização desta classificação a IC acaba sendo dividida ‘simplesmente” em duas categorias; estável e instável (Figura 1). (Butler J,Gheorghiade M, Metra M. Moving away from symptoms-based heart failure treatment: misperceptions and real risks for patients with heart failure. European Journal of Heart Failure (2016) 18, 350–352).
Associado a isto o quadro em relação ao cuidado da doença se agrava ainda mais com resultados de estudos que comprovam que pacientes com insuficiência cardíaca não entendem seu prognóstico, como por exemplo acontece com a maioria dos pacientes com câncer. (Allen LA, Yager JE, Funk MJ, Levy WC, Tulsky JA, Bowers MT, Dodson GC, O’Connor CM, Felker GM. Discordance between patient-predicted and model predicted life expectancy among ambulatory patients with heart failure. JAMA 2008;299:2533–2542); (Störk S, Kavoliuniene A, Vinereanu D, Ludwig R, Seferovic P, Dickstein K, Anker SD, Filippatos G, Ponikowski P, Lainscak M. What does the lay public know about heart failure? Findings from the Heart Failure Awareness Day Initiative. Eur J Heart Fail 2016;18:66–70).
Devemos enfatizar que os pacientes da classe funcional II da NYHA podem ter uma morte súbita sem piorar os sintomas e que eles têm doença progressiva que pode ser abrandada com tratamento adequado. Por outro lado, os pacientes da classe III-IV da NYHA não necessariamente têm doença em estágio final e a iniciação de terapias com tentativas de obter doses recomendadas e implantação de dispositivos apropriados devem ser testadas independentemente dos sintomas.
A avaliação melhor dos sintomas através de escores mais sensíveis ás queixas reportadas pelos pacientes, os atualmente chamados PRO (Patient-Reported Outcome Instruments) cada vez mais vem sendo validados e utilizados na prática clínica diária, a fim de diminuírem os vieses e possibilitar o alcance de forma mais rápida e fiel da identificação do real quadro clínico do paciente (Figura 2). (Kelkar AA, Spertus J, Pang P, Pierson RF, Cody RJ, Pina IL, Hernandez A, Butler J. Utility of Patient-Reported Outcome Instruments in Heart Failure. Kelkar AA1, Spertus J, Pang P3, Pierson RF4, Cody RJ4, Pina IL5, Hernandez A6, Butler J7.JACC Heart Fail. 2016 Mar;4(3):165-75)
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Texto publicado originalmente no blog Paciente 360. Direitos autorais reservados a Paciente 360
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