Nos últimos dias, muitas notícias foram divulgadas com manchetes sugerindo que “a cura do HIV está próxima”. Cuidado!
Esses títulos chamam nossa atenção na hora – o que é, claro, o que uma boa manchete deve fazer -, mas falar de uma descoberta revolucionária é bastante prematuro.
As notícias citavam um inglês HIV positivo que recebeu um tratamento, ainda em fase de testes, para erradicar o vírus de seu corpo.
Testes clínicos feitos durante tratamento, chamado River (sigla em inglês para Research in Viral Erradication of HIV Reservoirs), mostraram que aparentemente não há mais sinais do vírus no sangue do paciente.
Isso pode soar incrível, a não ser que você saiba que o tratamento com antirretrovirais, ao qual o paciente estava sendo submetido, já reduz o HIV a níveis indetectáveis.
Os próprios responsáveis pelo River divulgaram uma nota repudiando manchetes que indicavam que o estudo estava próximo de encontrar a cura:
“Não ter sinais do HIV no sangue não significa que os pacientes foram curados, como alguns textos sugerem (…) Esperamos ansiosos os resultados finais desse estudo inédito, mas até lá é preciso enfatizar que não podemos afirmar que um paciente tenha respondido ao tratamento ou tenha sido curado.”
Carga viral
A responsável pela pesquisa, a professora de Medicina do Imperial College London e especialista em HIV, dá detalhes: “Todos que participaram do estudo estavam tomando antirretrovirais e, por isso, têm uma carga viral indetectável, que mostra o grande sucesso deste tratamento.”
De fato: a medicação para HIV vem fazendo a doença passar de uma sentença de morte para uma condição crônica, mas administrável – e isso é extraordinário.
Mas a limitação dos antirretrovirais é que eles não eliminam o HIV. O vírus continua dormente em algumas células e começa a se multiplicar se o paciente para de tomar a medicação. É por isso que antirretrovirais devem ser tomados a vida toda.
Mas o que o River está tentando fazer é eliminar completamente o vírus do corpo.
‘Chutar e matar’
Até o momento, 39 pacientes foram recrutados. Todos vão receber retrovirais, mas metade também receberá um medicamento que força o vírus a emergir de partes do corpo onde estão escondidos.
Esses pacientes também vão receber duas vacinas para fortalecer o sistema imunológico ao ponto que ele consiga atacar as células infectadas com o HIV – essa estratégia chamada é chamada de “chutar e matar”.
Esse paciente, cuja identidade não foi revelada, é simplesmente o primeiro do grupo a completar o tratamento.
O estudo só deve ter resultados em 2018. Ele está sendo feito por um grupo de pesquisadores de faculdades britânicas renomadas, como Oxford, Cambridge, University College London e Imperial e King’s College.
A parceria teve início há seis anos, justamente para buscar a cura para o HIV.
“Esse tipo de colaboração é inédito, e os testes clínicos mostram um progresso notável”, diz Mark Samuels, diretor do National Institute for Health Research Office for Clinical Research Infrastructure, que criou a parceria entre as faculdades.
Mas quando então os pesquisadores vão poder cravar que o River é mesmo um sucesso?
Isso ainda vai levar tempo, já que exige uma análise de sangue detalhada dos voluntários. “Vamos fazer testes genéticos muito específicos para investigar se há vírus HIV dormentes dentro das células”, disse John Frater, professor de Doenças Infecciosas da Universidade Oxford.
Todos os voluntários foram infectados há pouco tempo, o que significa que eles têm um reservatório pequeno do vírus e o sistema imunológico deles ainda não foi prejudicado várias vezes – como acontece com pessoas infectadas há bastante tempo.
Assim, se for possível curar o HIV, esses pacientes podem ser considerados um alvo fácil. E mesmo que o River seja considerado um sucesso, é preciso cautela na hora de interpretar os resultados porque isso não pode ser reproduzido em um paciente que tem HIV há bastante tempo.
“Já foi demonstrado que, em tubos de ensaio, é possível tirar o vírus de células dormentes. Mas teremos de esperar para ver se o mesmo acontece em pacientes”, disse Michael Brady, diretor médico da fundação Terrence Higgins Trust.
“E mesmo se funcionar, não podemos falar em cura para todo mundo, já que precisaremos de estudos testes mais amplos.”
Paciente de Berlim
Até o momento, apenas uma pessoa parece ter sido curada de uma infecção de HIV.
Timoty Ray Brown, conhecido como “o paciente de Berlim”, recebeu um transplante de medula óssea de um doador com uma imunidade natural ao vírus. No entanto, esse tipo de transplante pode ser perigoso, e por isso ele nem sempre é recomendado.
Em outro caso, um estudo feito na Califórnia com 80 pacientes HIV vem tentando modificar as células para simular as mutações genéticas de pessoas que têm uma imunidade natural ao vírus.
Um dos voluntários desse estudo, Matt Chappel, está há dois anos sem medicação. Um outro resultado promissor.
Ainda assim não custa repetir, sobre qualquer um dos estudos: falar em cura é muito prematuro.
Veja uma matéria abaixo que relatou a descoberta de maneira mais pretensiosa.
São Paulo – A cura do HIV pode estar mais próxima do que a ciência imaginava. Cientistas britânicos afirmam que um de seus pacientes não apresentou nenhum sinal do vírus após passar por um tratamento inovador.
A notícia aumenta a esperança de que a nova técnica pode funcionar em outras pessoas com a doença. As informações são do jornal The Sunday Times.
O novo tratamento – Cura para o HIV
O novo tratamento une remédios já usados para combater o HIV e novas técnicas. Primeiramente, os pacientes receberam doses das drogas antivirais para prevenir a disseminação das células do tipo T (células do sistema imunológico que são infectadas pelo vírus). O efeito disso é o armazenamento do HIV nas células.
Depois, os cientistas infectaram as pessoas com um vírus que estimula o sistema imunológico. Com isso, ele fica mais forte para encontrar e destruir as células T infectadas.
Passo final para a Cura
O passo final é chamado de kick and kill (chutar e matar, em português) e consiste em dar aos pacientes outra droga, apelida de Vornostat. Segundo os cientistas, ela ativa a células T dormentes para que elas expressem as proteínas associadas ao HIV. Assim, o sistema imune é capaz de encontra-las e destruí-las.
A pesquisa está sendo realizada por cinco universidades britânicas com o apoio do NHS, o serviço nacional de saúde do Reino Unido. Das 50 pessoas que começaram o novo tratamento, apenas um homem de 44 anos já o terminou. Exames de sangue revelaram que ele não possui mais o vírus do HIV no sistema.
Ainda é muito cedo para afirmar: a cura para o HIV foi encontrada.
Isso não quer dizer que o paciente está curado. O vírus pode retornar, como aconteceu com uma menina dos Estados Unidos. Ela tinha nascido com o vírus e recebeu uma grande quantidade de medicamentos antirretrovirais durante as suas primeiras 30 horas de vida. O hospital manteve o tratamento até perder o contato com a mãe. Após cinco meses, ela reapareceu com a filha sem o vírus no corpo. Porém, dois anos depois o vírus ressurgiu.
“Esta é uma das primeiras tentativas sérias de uma cura completa para o HIV. Estamos explorando a possibilidade real disso ser verdade. Este é um desafio enorme e ainda é cedo, mas o progresso tem sido notável”, disse Mark Samuels, diretor geral do NHS, ao The Sunday Times.
Até agora, a ciência reconhece que apenas uma pessoa foi curada do HIV. Em 2007, o americano Timothy Ray Brown foi submetido a um transplante de medula óssea na Alemanha para o tratamento de leucemia. Para isso, os médicos usaram um doador que era naturalmente imune ao HIV devido a uma mutação genética.
As células-tronco transplantadas reconstruíram o sistema imunológico do americano e substituíram suas células cancerígenas com as células resistentes ao HIV. Durante três anos, Brown não tomou antirretrovirais e seu sangue não revelou nenhuma partícula do vírus. Entretanto, os transplantes de células-tronco podem ser perigosos e são recomendados apenas quando podem salvar uma vida.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, cerca de 37 milhões de pessoas vivem com HIV em todo o mundo e aproximadamente 35 milhões de pessoas já morreram em consequência da infecção pelo vírus.