Um projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP e coordenado pela professora Ana Paula de Melo Loureiro, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP), e desenvolvida por Tiago Franco de Oliveira, bolsista FAPESP de pós-doutorado, busca investigar os vários mecanismos pelos quais a substância benzopireno pode induzir a transformação maligna em células humanas.
Presente na fumaça do cigarro, de escapamentos automotivos, da queima de madeira e em carnes excessivamente grelhadas na brasa ou defumadas, o benzopireno é um potente agente cancerígeno pertencente à classe dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs).
Resultados preliminares da pesquisa foram divulgados em agosto de 2016, durante o V Symposium on Epigenetics and Medical Epigenomics, realizado em São Paulo.
De acordo com a pesquisadora, o objetivo do estudo é identificar as sequências de reações biológicas envolvidas no desenvolvimento do câncer e, assim, encontrar possíveis alvos para a prevenção ou tratamento da doença.
“Testes mostraram que a suplementação das culturas celulares com nicotinamida ribosídeo, um dos componentes da vitamina B3, protegeu as células e impediu a transformação maligna. Agora pretendemos entender por quais mecanismos isso acontece e se esse composto pode ser usado na quimioprevenção”, contou Loureiro
Metodologia
Os experimentos estão sendo realizados com células normais do pulmão, mais precisamente, do epitélio brônquico. Essas células são incubadas com o benzopireno durante uma semana. Por ser esta uma substância de rápida absorção e biotransformação, contou a pesquisadora, precisa ser reposta diariamente nas culturas.
No final do período de incubação, as células são transferidas para um meio semissólido contendo agarose, um polissacarídeo obtido de algas, com a finalidade de impedir a adesão à placa de cultura.
“Já se sabe que uma célula epitelial normal não consegue crescer nesse meio semissólido, sem ancoragem. Para que isso seja possível, é necessário que alguns genes e proteínas tenham a sua expressão alterada no sentido de favorecer o desenvolvimento tumoral, como, por exemplo, o silenciamento da expressão de caderinas [moléculas de adesão dependentes do cálcio que permitem a ligação entre células vizinhas]”, explicou a pesquisadora.
Essa transformação foi observada em culturas expostas às concentrações de 0,5 e 1 micromolar (μM) de benzopireno, que cresceram ao longo de sete dias. As células expostas a 0,1 μM não cresceram no meio de ágar.
De acordo com Loureiro, é possível que concentrações mais baixas do carcinógeno induzam a transformação celular após períodos mais longos de exposição.
Análises durante o período de incubação mostraram a ocorrência de alterações no DNA, tanto genéticas (lesões capazes de originar mutações na sequência de nucleotídeos) quanto epigenéticas (aumento dos níveis de 5-metilcitosina, o que altera a expressão de genes).
As células que cresceram no meio semissólido apresentaram hipometilação global (diminuição dos níveis de 5-metilcitosina), considerada uma característica de células tumorais.
Estudos recentes da literatura científica sugerem que o surgimento de tumores está fortemente associado a alterações genéticas, como também a alterações epigenéticas, que podem ativar a expressão de genes pró-tumorais ou silenciar genes protetores, por exemplo.
Entretanto, o que mais chama a atenção dos cientistas foi uma queda significativa dos níveis de metabólitos envolvidos na produção de energia para a célula, logo após a primeira hora de exposição ao benzopireno. Ao longo do período de exposição, houve uma readaptação metabólica das células e, ao final, os níveis dos metabólitos estavam aumentados nas células expostas em comparação ao grupo-controle.
“Foi por esse motivo que surgiu a ideia de suplementar as culturas com nicotinamida ribosídeo, uma molécula precursora do dinucleotídeo nicotinamida-adenina [NAD+], que é essencial para o metabolismo celular e para a produção de ATP [adenosina trifosfato, molécula que armazena energia para a célula]”, explicou.
A suplementação com nicotinamida ribosídeo (1 μM) começou 24 horas antes da exposição ao benzopireno e, a partir daí, foi renovada diariamente juntamente com o benzopireno. Os demais procedimentos foram semelhantes ao do teste anterior.
Ao final, as células expostas ao carcinógeno e suplementadas com nicotinamida ribosídeo não se mostraram capazes de crescer no meio de ágar – apresentando comportamento semelhante ao das células-controle (não expostas ao benzopireno).
“Sabemos que as células tumorais têm o metabolismo alterado, projetado para o crescimento. Agora pretendemos investigar de que modo a suplementação com nicotinamida ribosídeo protegeu contra a transformação de células que estavam em contato com uma substância conhecidamente carcinogênica”, disse Loureiro.
Com informações Agência FAPESP/Revista EXAME